Branding ainda não é feito da maneira correta no Brasil

Um projeto de branding para uma empresa vai muito além do
design e da identidade visual. Envolve criar personalidade e conteúdo para que
a marca faça parte do dia a dia dos consumidores, como uma amiga.
O processo é holístico e deve perpassar todos os estágios
que se referem à construção ou ao reposicionamento de uma marca. É o que
defende a designer Marina Willer, diretora de criação da Wolff Olins.
Há 12 anos no escritório de Londres da agência Wolff Olins,
que tem clientes como Unilever, Adidas, Renault e, mais recentemente, as
Olimpíadas de 2012, Marina hoje ocupa o cargo de direção de criação.
No Brasil, entre outros projetos, a executiva esteve
envolvida no projeto de criação da Oi, que hoje é um dos principais cases
brasileiros de atitude e essência de marca, aproximando a operadora de
telefonia celular dos consumidores a partir de plataformas como moda, esportes
e cultura.
Em entrevista, a profissional fala sobre o trabalho de
branding realizado no Brasil e no mundo e destaca as principais mudanças da
área nos últimos anos.
Para Marina, ainda há muito a ser explorado por aqui.
“Existe uma dessincronia entre imagem e marca, a presença de muitas empresas, a
forma como elas se articulam e o que elas fazem”.
Leia a entrevista completa a seguir.
Nesses mais de 10 anos, como você vê a transformação do
branding lá fora e aqui no Brasil?
Marina Willer – A nossa visão, que acaba refletindo o que
acontece no mundo, é que o branding não é só uma questão de imagem, mas de
criar uma experiência completa. São os serviços, os produtos, o jeito da equipe
de atendimento falar, o design das lojas.
Tudo tem um ponto de partida, que é criar, sempre em
conjunto com o cliente. O resultado dessa somatória de experiências forma o
Branding. E o design visual tem um papel muito importante, mas não é a única
coisa.
O Branding tem que ser uma coisa holística. As empresas já
conseguem fazer isso?
Marina Willer – Acho que isso é uma coisa que as pessoas
estão começando a se dar conta agora. Algumas se preocupam cada vez mais com
isso. Um dos nossos clientes é o Skype. O Skype é algo tão genial, que não
importa muito a marca, o logo, mas a essência, o papel que ele cumpre no mundo.
Tem um banco na Inglaterra que chama First Direct (uma
divisão do HSBC), em que tudo é feito por telefone ou online. Não existe
agência. Nós fizemos o branding deles e a promessa é que, se você ligar, o
telefone só pode tocar três vezes. Coisas assim. Ele é extremamente fácil, sem
frescura, sem burocracia. É a atitude o que importa mesmo.
Tem clientes que já fazem isso, mas acho que ainda está no
começo. No Brasil, branding ainda equivale muito à imagem. Agora que a economia
brasileira está melhorando e existe um orgulho nacional muito grande, isso tudo
está possibilitando o surgimento e o crescimento de negócios de uma forma
incrível.
Existe uma dessincronia entre imagem e marca, a presença de
muitas empresas, a forma como elas se articulam e o que elas fazem. Algumas são
extremamente revolucionárias no que fazem, mas ainda não sabem comunicar isso
de uma forma que esteja no mesmo nível do trabalho que realizam. Ainda há muito
a ser explorado.
Como as empresas podem fazer isso pelas suas marcas? Por que
ainda não chegamos nesse mundo ideal?
Marina Willer – É uma nova disciplina no Brasil. Está
começando a acontecer. Fizemos alguns projetos aqui, como o da Oi, que eu
pessoalmente criei o nome, e a Vivo, que é um grande sucesso.
Começamos a trabalhar com a Embraer, que é um importante
cliente. Esses já são exemplos de uma presença de branding como vemos em outros
países da Europa, mas é tudo muito novo.
Já se fala muito em atitude de marca e propósito de marca.
Que seria o que a marca promove para o consumidor, para melhorar a vida das
pessoas efetivamente. Como você vê essa questão da marca servindo, não só como
um elemento diferenciador, mas também estando presente no dia a dia das pessoas
como uma amiga?
Marina Willer – O consumidor está exigindo mais coerência,
mais responsabilidade social e em relação ao meio ambiente. Queiram ou não, as
empresas são forçadas a buscar uma coerência maior entre o que elas falam e o
que elas dizem que falam.
Não adianta dizer que você é otimista, se está destruindo o
planeta. O mundo está muito mais crítico com esse tipo de problema, por causa
do acesso à informação. O Brasil tem todo um potencial para crescer nessa área
de branding.
Mas, ao mesmo tempo, a revolução digital é tão grande, que
já vai acontecer num segundo estágio, não como fazíamos há 10 anos.
Agora é menos filosofia e mais prática. Cada vez mais, as
empresas investirão menos em publicidade e mais em coisas reais. No caso da Oi,
o sucesso deles refletiu o espírito que criamos juntos a partir de ações, não
da publicidade.
Esse é um exemplo muito contemporâneo. É um desafio manter
essa coerência, mas é uma demonstração de que somente a publicidade não faz a
marca.
Esse é o desafio para as marcas, criarem uma essência e
praticarem essa essência?
Marina Willer – O mercado ainda não entendeu isso. Vemos
que, no caso do Brasil, muitas vezes o que as empresas querem ainda é buscar
alguém que faça o design, um projeto gráfico.
Não é sempre que encontramos clientes que tenham a ambição
de realmente usar Branding como uma forma de transformar e definir os negócios.
Quem for ambicioso em perceber o valor que isso traz vai sair na frente.
Falando em consistência, esse é um grande problema que
temos, não só no Brasil, mas no mundo. A publicidade acaba podendo trazer
inconsistência para a marca, porque cada hora comunica uma coisa. Citando o
caso de Dove, há 50 anos eles têm o mesmo tipo de comunicação, que é fazer o
teste dos sete dias. Como você vê a importância da consistência da marca para
ela se fortalecer e se desenvolver em outros negócios?
Marina Willer – Acho que é um paradoxo. Consistência é
fundamental, é o que faz você criar uma história coerente. Quando uma ação que
a marca cria aqui ou do outro lado do Brasil é coerente, começamos a perceber
que existe uma filosofia, um papel claro para aquela empresa.
Ao mesmo tempo, acho que sistemas de linguagem de marca têm
que ser mais abertos para que as pessoas possam se envolver e participar. Ter
um manual e policiar a marca é coisa do passado. As pessoas criam coisas por
conta própria, querem participar.
Colaboração é cada vez mais uma parte importante dos
negócios. É necessário criar marcas que sejam abertas à parceria. A
participação é fundamental na era em que vivemos. Não dá para criar algo que
seja tão rígido que ninguém possa interpretar de diferentes formas. A grande
sacada é criar marcas que as pessoas possam adaptar, transformar, participar,
que se sintam donas também.
As marcas têm que conversar com os consumidores. E a marca
só consegue isso se tem conteúdo. Como vocês têm trabalhado os projetos em
Londres, desde a construção mesmo, a partir do zero, até um reposicionamento?
Marina Willer – Cada projeto é diferente. O que é comum é
que a criação é muito colaborativa, sempre em parceria com o cliente e as
pessoas que têm uma influência na construção daquela marca. Isso é fundamental
para o sucesso. Não é algo artificial, que criamos no laboratório e impomos. O
processo é muito de entender o que é único e especial naquela organização. O
que é a essência, o que está no DNA?
Muitas vezes há enormes divergências entra as pessoas dentro
da própria empresa. É como ir num psiquiatra, fazer psicanálise em grupo, tem
que tentar concordar. Se você não consegue concordar na essência, cria o
projeto já fraco desde o início.
Quando trabalhamos com organizações muita grandes, boa parte
do processo é só chegar a um acordo. É dizer “Então a essência é isso, ok?
Todos estão de acordo? Então é nisso que vamos trabalhar”. Também é fundamental
entender o mundo em volta, o que já existe, o que estão fazendo, o que está
faltando. Encontrar o papel dessa organização.
Como você vê casos internacionais? Aqui no Brasil falam
invariavelmente de marcas como Apple e Starbucks. Que outras têm feito
trabalhos relevantes na área de branding?
Marina Willer – Uma das minhas marcas favoritas é o Obama,
mas faliu, né? Começou bem, tinha uma coerência entre o que ele acreditava e a
imagem que se criou. O Google, por exemplo, é uma marca fenomenal, por causa do
que eles fazem. Tem uma logo terrível e criam novas que são todas terríveis,
mas não estamos nem aí para a estética porque aquilo tem tanto menos
importância.
É a mesma coisa do Skype. Como falei, estamos trabalhando
com eles, e a nossa preocupação menor é tentar transformar a marca. Também
vamos fazer isso, mas menos no sentido estético e mais no sentido de como ela
pode interagir, que papéis pode cumprir. Vai além de ser bonito ou moderno. Não
é bonito, mas ninguém está deixando de usar o Skype por causa disso.
Falando de Londres, que marcas têm força e podem ser
citadas, até para servir de exemplo para o Brasil?
Marina Willer – Criamos uma marca local que se chama
MacMillan e ajuda pessoas que têm câncer. O que eles fazem é maravilhoso, a
marca realmente veio à vida em todas as dimensões, não só da comunicação. Eles
já tinham a convicção, não tivemos que ensiná-los. Ajudamos apenas a
transformar em algo mais jovem, de movimento.
Tem também a Tate, um projeto que eu fiz a identidade, que é
super coerente entre experiência, design e jeito de fazer curadoria. É a
primeira vez que um museu realmente abraçou a ideia de bBranding. Hoje é o
museu de arte moderna mais visitado do mundo. Teve um impacto muito grande, não
só por causa do que fizemos com eles, mas por tudo.
E no Brasil, há algum projeto?
Marina Willer – Sempre temos planos de fazer projetos aqui.
A ideia é ter uma presença no país, mas usar nossos melhores talentos nos
vários escritórios, principalmente em Nova York e Londres. Como eu sou
brasileira, sempre participo dos projetos daqui, porque o conhecimento local é muito
importante.
Ao mesmo tempo, o que oferecemos aos clientes é tanto um
conhecimento profundo do mercado e da cultura local, quanto os melhores
talentos que fizeram grandes marcas que estão aí pelo mundo.
Como eu disse anteriormente, aqui no Brasil tem se falado
muito sobre propósito e atitude de marca. E lá fora, o que tem sido abordado
nessa questão de branding, quais são as tendências?
Marina Willer – Acho que essa coisa do digital é o que está
pegando muito. O mundo digital faz com que as pessoas sejam muito mais
críticas, não adianta investir só em publicidade.
Como eu falei, também não dá para fazer algo superficial,
tem que ser completo. A imagem é um dos componentes. Em todos os mercados
estamos sempre questionando a importância de não fazer um projeto que seja só
baseado na imagem.
Como você vê a evolução do Branding no Brasil comparado a
outros países?
Marina Willer – O Brasil é muito rápido em abraçar mudanças,
isso é um lado muito positivo. De um dia para o outro, tudo começa a acontecer.
É um país muito aberto à transformação.
Ainda tem muito para se conquistar aqui, é um território
muito aberto. Fico impressionada como não existe algo que unifique o negócio e
ajude as empresas a comunicarem e expressarem o que fazem.
O mercado está muito focado só na parte de negócios e
números e explora pouco o poder do Branding, da criação de uma coisa mais
completa, holística. Quem sair na frente vai ganhar. É uma questão de acordar
para a urgência disso.
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